Monday, November 09, 2009

A Escuridão

-Bem ali, vê?
Falou calmamente, descruzando um braço e apontando na imensidão. Deitados sobre um tablado de madeira, junto a uma avenida movimentada, pareciam estar em outro mundo e não no centro de uma cidade enorme. A noite começava a avançar, mas conseguiam sentir o cheiro de manteiga sobre uma pipoca recém feita há alguns passos de onde estavam. Ouviam pessoas, risadas e carros apressados, mesmo sem horários.
-Não há nada ali, no máximo, aquela.
-Não... Você não está vendo com os olhos bem abertos. Pra mim é tão claro. Está ali, veja. – apontou novamente, indicando com precisão e desenhando com os dedos finos.
Forçou os olhos miúdos e soltou um suspiro. Nada, só a escuridão.
-As luzes daqui ofuscam tudo, como você consegue ver isso?
-Eu apenas vejo, está tudo ali. Se você desligasse a cidade e soprasse essa poluição, bem ao estilo do lobo mal, conseguiria ver. O céu está cheio delas. Parece que alguém está iluminando um papel cheio de furinhos...
-Mas como você enxerga tudo isso... –Estalou os lábios e se aconchegou no ombro amigo.
-Eu não vejo, lembra? –Deu um sorriso doce, lhe dirigindo os olhos opacos para o perfume suave ao seu lado.
-As vezes esqueço que você é cego... Consegue ver melhor do que muita gente... –Murmurou, encarando a escuridão à frente deles.
-Como bem disse uma raposa ao monarca de um pequeno asteróide: "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos".

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