Tuesday, December 22, 2009

Desalinhos - Prólogo

Os dedos finos tocavam os instrumentos com cuidado, alinhando-os desordenadamente sobre a cama igualmente bagunçada. Os lençóis baratos indicavam um hotel qualquer de uma cidade sem muita importância. Ela também não tinha importância relevante e devia permanecer sempre assim. Discrição era uma peça chave nisso tudo.
Sua execução de contratos não era das melhores, ou ao menos ela pensava assim, apesar de nunca ter parado para fazer alguma comparação com outros do mesmo ramo. Não que isso pudesse ser medido como uma ciência exata, como a própria dizia. Ela não era tão elegante, nem tão atraente. Na vida real, as coisas não são assim tão belas, mas nem por isso, menos bonitas.
Vestia meias listradas que paravam no joelho e apenas uma calcinha de renda preta, no tamanho que julgava confortável. Vez ou outra deixava cair uma bala 9mm dos dedos, enquanto colocava uma a uma, sem pressa, no carregador da sua arma favorita.
Um sorriso em desalinho brotava nos lábios ainda levemente inchados do soco que recebeu da ultima vez. Um descuido que rendera uma pequena marca no lábio inferior cuja existência serviria de uma empolgante história para os netos. "Essa foi de quando a vovó matou 5 homens e teve de estrangular o 6º, após imobilizá-lo". Ria perante a idéia, imaginando os olhos vidrados das crianças. E gargalhava mais da ironia maldita de não poder ter filhos e por conseqüência, netos.
Gostava de rir da própria má sorte. Ela vinha raramente, até para alguém tão desajeitada, quanto essa moça esguia, de peles morenas, que deslizava para dentro de um vestido preto e confortável. Pensou na remuneração e no quanto fariam os outros. Queria poder medir essas coisas, mas tinha medo. Medo de nunca ser boa o bastante ou acabar sendo esquecida, mesmo quando ela nunca devia ser lembrada.
Mas de qualquer forma, continuavam à encontrá-la para um assassinato ou dois, não é? Então devia fazer as coisas com um contentamento suficiente para garantir o próximo, ao que entendia. Terminou a tarefa com um suspiro, colocando o pente devagar, lembrando da sua ultima noite com um homem qualquer, enquanto a peça deslizava gentilmente e travava. Pegou a munição caída, se certificando com não muito cuidado se tinha esquecido de uma ou outra, vestiu um par de tênis surrados, uma mochila de tamanho médio e saiu do quarto alugado.
O vento cortante, que antes sibilava por baixo do batente, era apenas uma brisa suave na manhã ensolarada. Sorriu e cerrou o punho até as unhas machucarem a palma levemente.. Hoje à noite, alguém não teria um marido pra o jantar ou um pai para dar colo e contar histórias. Bem, ao menos não seria o dela, não é... E riu novamente da sua fortuna miserável.

[Continua...]



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Trilha sonora: Portishead - Roads.
Música foda, fica o link

How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong

Storm.. in the morning light
I feel
No more can I say
Frozen to myself

I got nobody on my side
And surely that ain't right...

2 Comments:

Blogger Natália Eiras said...

Eu sei que fui eu que te ensinei que as deseongonçadas tem o seu charme ;) *se achando*

5:02 AM  
Anonymous Vahallam said...

EU LEMBREI DE VC......MEU DEUS...QUANTO TEMPO...AIIII VI SEU COMENTÁRIO NO MEU DEVIANTART...QUE ROX A LOT!!!

BEIJÃO...

VAHALLAM

9:49 PM  

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